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Estudantes ciganos/as denunciam desigualdades da educação formal no Brasil

Atualizado: 14 de mai. de 2022


Negação do direito de matrícula nas escolas, ausência nos livros didáticos e nos planos pedagógicos escolares, invisibilidade, desconhecimento, situações de preconceito, discriminação, exclusão e evasão são questões proeminentes que perseguem estudantes ciganos/as nas estradas da escolarização


As desigualdades educacionais entre grupos étnicos minoritários que formam as Comunidades Tradicionais do Brasil é notadamente um dos problemas sociais que lhes empurram para as margens da sociedade. Entre esses, os Povos Ciganos brasileiros: historicamente perseguidos, expulsos, degredados, banidos de Portugal, e de outros países do Ocidente, estão presentes nesta República Federativa há mais de 500 anos. Resistiram até aqui, sobreviveram ao aniquilamento e ao apagamento de suas tradições – objetivos da colonização, contudo permanecem impedidos de acessar direitos básicos como o de realizarem matrículas nas escolas.

Além disso, estudantes ciganos, jovens e adultos, denunciam nesta reportagem uma série de desigualdades educacionais – desvantagens na educação formal – a exemplo da ausência nos livros didáticos e nos planos pedagógicos escolares; o bullying, que gera situações vexatórias de preconceitos, discriminação, exclusão, e desrespeito, além do vasto desconhecimento generalizado, o que resulta em problemas como a invisibilização, a incompreensão das tradições e culturas, o que gera a evasão e o abando escolar, e aumenta, por conseguinte, o analfabetismo e as desigualdades educacionais do Brasil.

Antes de seguirmos nas trilhas destas linhas, peço licença e permissão aos meus ancestrais para falar de, com, por meu Povo Cigano. Vou avisando: - esta não é uma reportagem puramente informativa, e sua escritura se dará inspirada na Autoetnografia – um método de pesquisa revolucionário, com estilo literário, que para além de abraçar as vulnerabilidades como um propósito, permite e evoca o uso de linguagens outras, a arte, a poesia, e oportunizando ecoar vozes historicamente silenciadas, com dignidade e primazia.

Faço cumprir a honestidade de assumir que sou ao mesmo tempo personagem e autor, o jornalista – narrador, uma fonte viva que vivenciou e experimentou, literalmente na pele os desafios das desigualdades educacionais inúmeras quando se trata da escolarização formal dos estudantes de etnias ciganas. Sou orgulhosamente um cigano estudante da etnia Calon e de tradição circense, multiartista comunicaDOR e aprendiz-pesquisaDOR, que se pretende multiplicaDOR.

Quero problematizar nesta reportagem-denúncia a negação do direito ao acesso à educação que nós ciganos enfrentamos cotidianamente no Brasil. Para isso, parti em busca de outras vidas ciganas, jovens, adultos, crianças, com o intuito de narrar itinerários diversos da vida escolar, projetando luz para o direito básico de estudar que continuam a nos negar!


Devidamente identificado, peço a gentileza de não se apressar na concretização desta leitura. Será necessário um pouco de paciência, por isso, peço sua compreensão estimado/as leitor/a, porque não é possível compreender tão plural e singular Povo sem que haja alguma extensão. Tão delicado tema requer uma maior dimensão, mas acredito valer esta leitura à pena – eis a minha pretensão!






Quem são? Povos Ciganos, um pouco das origens e tradições

Em concordância com a historiadora Débora Karpowicz, autora do livro “Ciganos, História, Identidade e Cultura”, por “ciganos/as/es” há de se compreender uma pluralidade de grupos étnicos que formam uma espécie de “unidade”, a partir das diversidades e particularidades culturais de comunidades ou famílias. Comumente utilizados, os termos “cigano, gitano, gitan, zigeuner, zíngaro, e gypsies” são nomenclaturas utilizadas para homogeneizar estes grupos étnicos por essência heterogêneos, em sua grande maioria nômades, que passavam pela Europa a partir do século 15, com hábitos e culturas diferentes da existente nestes locais e época. A denominação dada pelos europeus a estes grupos a partir desta generalização linguística, todavia, não dá conta do verdadeiro ser cigano, das culturas, diversidades, e particularidades que os diferenciam da multidão, e os iluminam.

As nomenclaturas “Romanis” ou “Romás” são formas habituais dos pesquisadores e ativistas, sobretudo de outros países, para nos referenciar. Sendo estas uma maneira de minorar os estigmas causados pelo uso do termo “ciganos/as”, que continua nos imaginários - não por acaso – a permear! Porém, “ciganos/as/es” aqui adotarei, porque acredito que é também sobre (re) significar, à frente, vamos lá!


Em diásporas mundo adentro, as teorias pouco encontram algum consenso quanto às nossas origens. De um lado, indicam que somos povos originários do Egito. Por outro, partimos da Índia, precisamente do território onde hoje é o Paquistão. Em andanças de fuga e perseguição, nos espalhamos por todos os cantos e continentes, oriente e ocidente, sendo considerados um “povo sem nação”, porque nunca aceitamos qualquer rótulo que nos impedisse a mais plena liberdade. Grupos múltiplos e diversos pelo mundo a se espalhar… até hoje com exatidão ninguém sabe quantos há!

Estima-se algo em torno de 5 a 20 milhões no mundo. Os Estados Unidos, Brasil e Espanha comumente aparecem na literatura correlata enquanto lugares de maior concentração. Todavia, são em países como Sérvia, Bulgária, Eslovênia, Romênia e Hungria que se verifica a maior proporção de ciganos na população. Fato é que estamos presentes em tudo quanto é canto, embora ainda insistam em ignorar, a população cigana é notadamente fruto de uma cultura milenar, e que no mundo está desde o seu surgimento. Pessoas preferidas do terror, segregação e genocídio do Estado, do odioso regime nazista, quando mais de 500 mil de nós foram perseguidos e assassinados. No entanto, a História com os ciganos pouco se importou, e raramente nos livros alguém nos anotou.

Ciganos/as no Brasil

Historicamente invisibilizados, marginalizados, e oprimidos, a historiografia brasileira dos Povos Ciganos aponta com algumas lacunas – dado o explícito desinteresse social secular, que por volta de 1574 pela Bahia começamos a chegar, quando a coroa portuguesa se pôs a nos expulsar para a nova colônia que estavam a explorar. Condenados por degredos, os “indesejados da corte” com costumes, línguas, vestes e tradições próprias incomodavam pela desobediência às regras, por não aceitarmos ser escravizados, humilhados, subalternizados e submetidos à cultura dominante.

Ignorados durante séculos, apenas no dia 25 de maio de 2006 o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2011), assinou o Decreto nº 10.841, que nos reconhece enquanto Povos Tradicionais, ao instituir o Dia Nacional dos Povos Ciganos, comemorado no dia 24 de maio de cada ano, data dedicada também à Santa Sara Kali, protetora de alguns grupos étnicos ciganos. O documento assinala ainda que as Secretarias Especiais de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos da Presidência da República deveriam apoiar as medidas a serem adotadas para a celebração dessa data, bem como agenciar ações de conscientização contra a discriminação, haja à vista que ainda nos dias que seguem é possível encontrar nos dicionários, por exemplo, definições desrespeitosas, estereotipadas e pejorativas ao nosso respeito, em além de uma série de outras formas declaradas de preconceito.

Os últimos dados oficiais relativos aos Povos Ciganos no Brasil estão desatualizados, oferecem apenas informações vagas e imprecisas, que não nos identificam enquanto sujeitos pertencentes a distintos grupos étnicos, além de nos categorizar como “acampamentos”. São datados do ano de 2011, o que reforça e escancara o descaso dos últimos governos, gerando desinformação, e multiplicando os entraves para a elaboração de políticas inclusivas no âmbito da educação.


Através dos resultados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2011), foram identificados 291 acampamentos ciganos no Brasil, situados em 21 estados, com maior concentração em Minas Gerais (58), Bahia (53), e Goiás (38), enquanto os municípios com 20 a 50 mil habitantes apresentaram a maior reunião de comunidades ciganas. Deste total, apenas 40 prefeituras declararam desenvolver políticas públicas direcionadas aos Povos Ciganos, o que corresponde a apenas 13,7%. Entretanto, dados extraídos em 2018 por meio do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), relativos ao Cadastro Único (CadÚnico), documentam que em todos os estados há registros conf irmados de ciganos/as assistidos por este Programa Social.

No Brasil, as multiplicidades étnicas e culturais são atributos comuns aos Povos Ciganos, destacando-se principalmente três grupos: os “Calons” (oriundos em grande medida da Península Ibérica), considerados o maior e mais antigo, presente principalmente na região Nordeste; os “Rom” (originários em grande parte de países do Leste Europeu), e os “Sinti/Sintó”, havendo, ainda, a possibilidade de pôr aqui estarem outros pequenos ou subgrupos étnicos, tal como os “Kalderash”, cujas informações relacionadas ainda divergem. Com algumas variações linguísticas, o “Chib” ou “Caló” é a língua-mãe geralmente oralizada, um símbolo e uma riqueza das culturas ciganas, que nos distinguem e nos identificam, por séculos terminantemente proibida de ser proferida. Pesquisadores dos estudos ciganos estimam que no Brasil há entre 500 mil e 1,5 milhão de ciganos/as/es.

Um informe importante: nós ciganos costumamos nos referirmos uns aos outros por “primo/a”, isto por conta do senso familiar e coletivo que nos une. Por isso, peço passagem para reportar-me assim aos primos/as ciganas/as/es nesta reportagem. Agora que já sabem um pouco mais acerca de nós, apresento uma concepção ampliada de um povo que, através das palavras, é difícil de explicar… prepara um café, pega uma água ou um chá, por linhas quero te levar no itinerário das desigualdades inúmeras na escolarização formal dos Povos Ciganos que há, constatação esta que necessita findar! Em contribuição com tal finalidade, esta reportagem quer denunciar!

Mas para compreender-nos em nossas integralidades, jogando luz aos dilemas, desafios e para as dores que nos atravessam ao persistimos pelos caminhos por vezes tortuosos da educação formal, é preciso abrir mão de tudo aquilo que já ouviu e no seu imaginário compreensivelmente ainda está. Esqueçam as lendas, mitos, estorinhas romantizadas, as matérias sensacionalistas de violência no jornal; bem como toda perspectiva religiosa – espiritual, referencial habitual, porque somos povos de carne e osso, marcados pelo esquecimento e descaso, mas sobreviventes pela resistência de uma força ancestral!

Leis asseguram aos estudantes ciganos o pleno direito de acesso à educação formal igualitária


Após a última reformulação, a Constituição Federal (CF) de 1988, estabeleceu no artigo nº 205, que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

No Art. 206 da CF, é possível ler que o ensino deve ser ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. O art. nº 208, por sua vez, determina que é dever do Estado oferecer educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos dezessete anos de idade, sendo competência do Poder Público zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência desses alunos à escola.


O pleno direito de acesso dos/as estudantes ciganos itinerantes à educação formal é prevista em algumas leis brasileiras anteriores, caso do artigo 29 da Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978, que dispõe sobre a regulamentação das profissões de Artistas e de Técnico em Espetáculos de Diversões, e dá outras providências, versa que os filhos dos profissionais cuja atividade seja itinerante, terão assegurada a transferência da matrícula e consequente vaga nas escolas públicas e nas instituições particulares locais, na faixa etária de 4 (quatro) a 17 (dezessete anos), mediante a apresentação de certificado da escola de origem.. E recomenda no Parágrafo Único: “na falta da documentação prevista, é vedado à escola não efetivar a matrícula, cabendo à instituição aferir o grau de desenvolvimento e experiência do candidato de modo a permitir a sua inscrição na série ou etapa adequada”.


Em conformidade com a resolução nº 3, de 2012, do Ministério da Educação (MEC), em seu art. 1º e parágrafo único, anota-se que as crianças, adolescentes e jovens em situação de itinerância deverão ter garantido o direito à matrícula em escola pública, gratuita, com qualidade social e que garanta a liberdade de consciência e de crença. São considerados crianças, adolescentes e jovens em situação de itinerância aquelas pertencentes a grupos sociais que vivem em tal condição por motivos culturais, políticos, econômicos, de saúde, tais como ciganos, indígenas, povos nômades, trabalhadores itinerantes, acampados, circenses, artistas e/ou trabalhadores de parques de diversão, de teatro mambembe, dentre outros. Enquanto que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n.º 9.394/96), em seu art. 3º, reforça em um dos seus princípios, que o ensino deve se embasar na igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola.


Além do mais, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aprovado em 1990, fortalece essas garantias e propõe outros instrumentos de amparo legal para salvaguardar o acesso e a permanência na escola por parte dos Povos de Comunidades Tradicionais, a título de exemplo os/as ciganos/as. Por meio desses, o Estado admite a responsabilidade de sustentar que essas leis sejam cumpridas nas práticas pedagógicas das escolas, além de preconizar a criação de políticas públicas efetivas para o pleno direito de todos/as à educação.

Contudo, nas práticas institucionais, o que se percebe é um abismo que separa quem pode, e quem não pode fazer pleno gozo - usufruto das leis que, em tese, deveriam beneficiar a todos, sem exceção. Reflexo disso é que, segundo a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), cerca de 50% das crianças e jovens de etnias ciganas de todo o mundo não completam a escola primária. Aqui no Brasil é possível observar que a população cigana possui elevados índices de analfabetismo e de evasão escolar, apesar da inexistência de dados oficiais correlatos.


Com o agravante das dificuldades inúmeras inerentes às formas de vida e organizações sociais distintas da maior parte das sociedades, somadas aos constantes episódios de violências baseados no racismo estrutural que nos afeta sobremaneira; os repetidos casos de bullings, insultos, preconceitos, discriminação e desrespeito às nossas tradições e culturas, como a itinerância; além da negação permanente das nossas identidades ciganas; acrescentando ainda a ausência da história real dos Povos Ciganos e suas contribuições sociais e culturais na formação do Brasil; nos planos pedagógicos, nos currículos escolares e universitários; à falta de representatividade, e de representações verossímeis – distantes das lendas, livros religiosos, romances, filmes, novelas e produtos fajutos que nos retratam de formas delirantes, geralmente como marginais forasteiros sem leis e sem Deus.

Os depoimentos que seguem são reveladores, e denunciam séculos de descaso e despreparo por parte dos governos brasileiros, e dos/as dirigentes escolares, que desrespeitam as leis que deveriam assegurar aos estudantes ciganos o pleno direito de acesso a uma educação formal igualitária.

Estudantes ciganos denunciam perseguições e desvantagens na educação formal

Dou o pontapé inicial narrando os entraves educacionais nas histórias das pessoas que me inspiraram a escrever esta reportagem-denúncia. A primeira delas é da minha irmã primogênita, Irisma Fernandes, 42 anos, cigana da etnia Calon e tradição circense. Filha primogênita de seis, ela assumiu grandes responsabilidades após a morte precoce do nosso pai – Roy Rogeres Fernandes, assassinado aos 33 anos, durante o espetáculo de matinê do Circo “Mexicano”. A ela coube manter, e repassar as tradições ciganas e circenses aprendidas com o pai, avós, tios e tias, para os irmãos, filhos/as e netos/as.


A vida escolar de Irisma foi marcada pelo enfrentamento ao preconceito que encontrava nas escolas, estas muitas vezes fechavam as portas para o ingresso. Quando por insistência ou ameaça de levar o caso para autoridades municipais, o que logo provocava a mudança de decisão dos/as dirigentes escolares, uma vez que “quando se mexe com um/a cigano/as, mexem com todos/as”, assim lhe permitiam matricular. Ela conta que era constantemente discriminada quando usava seus vestidos coloridos, brilhosos, repletos de rendas e babados. “Mangavam da minha cara, faziam piadas e me insultavam, mas nunca me permiti ser humilhada, eu sempre revidava, só que era muito cansativo enfrentar aquilo. Perguntavam coisas absurdas que constrangiam, se eu fosse de farda da escola a curiosidade vinha através de saber as coisas do circo, mas se eu fosse como sempre gostei de me vestir, assim desse jeito é como eu me encontro e me reconheço..., mas quando ia assim encontrava a discriminação, e tudo aquilo causava sofrimento e desgaste”, lamenta.


Além desse tipo de acolhimento, Irisma diz que o desconhecimento sobre a vida itinerante que levava no circo era comum não só aos colegas estudantes, se estendendo também aos professores e diretoria das escolas. “Ficavam perdidos quando chegávamos nas escolas, éramos nós que tínhamos de explicar que apesar de costumes diferentes, não havia nada anormal que nos impedisse de estudar, pelo contrário. Quando percebiam com o passar do tempo o nosso empenho e dedicação, a inteligência, principalmente através da oralidade, ficavam surpresos, até elogiavam muito, mas antes disso o que passamos era absurdo e doloroso”, recorda. Dentre os desafios que enfrentou, a dificuldade em acompanhar os assuntos das matérias lecionadas, já que costumava ficar nas cidades por poucas semanas, o que acarretava em uma série de atribulações. Apesar disso, ela afirma que “adorava estudar, ler e escrever”. Costumava registrar a vida nos circos em diários e cartas, tinha facilidade em aprender, “mas era muito cansativo lidar com tudo aquilo, acabei desistindo da escola e me dedicando exclusivamente às artes do circo”, justifica.

Abandono - Para Irisma, abandonar a escola não foi uma escolha, mas uma imposição indireta provocada por intenso desgaste físico e mental. “Via minha mãe e tias tendo que brigar, gritar, esfregar nas caras das pessoas os nossos direitos, tínhamos sorte de ter tias que tiveram oportunidades de conhecer as leis e elas insistiam para nos aceitarem, só que até lá já havíamos provocado situações chatas, a recepção já era a contragosto, diziam que por lá iríamos fazer coisas erradas, e que não era bom nos aceitar porque logo iríamos embora, que só daríamos trabalho e outras asneiras. Sabe, lembrar disso provoca sentimentos ruins, negavam nos receber nas escolas apenas porque éramos diferentes dos outros alunos”, narra. Ela deixou de ir para a escola quando estava na 7ª série, mas não se arrepende porque “não havia escolha, queria era parar de ter que ficar explicando e respondendo coisas que me incomodavam, e faziam sofrer, no circo não tinha nada disso, éramos felizes e podia ser eu mesma”, ressalta.


Apesar do que passou nas escolas por onde esteve, Irisma lutou bravamente para que seus filhos tivessem melhor sorte na escolarização. Entretanto, seu filho primogênito Igor Mateus Fernandes, 24 anos, artista circense, seguiu a sina da mãe, e quando estava na 6ª série também se evadiu da escola para seguir trabalhando nos circos. Com filhos pequenos, Igor atua em vários números circenses, é palhaço, mágico, equilibrista, e se diz satisfeito por saber ler e escrever. "Às vezes sentia vontade de agir com violência nas escolas, porque achavam que poderiam dizer ou fazer comigo o que bem quisessem, só porque não era da cidade ou não ficaria naquela escola. Não foram poucas as vezes que fui desrespeitado, nem sempre tinha sangue frio para ouvir certas coisas calado. Tentei, muitas vezes briguei, mas chegou um momento que não queria mais frequentar não, pois não via como aqueles conhecimentos seriam úteis para mim”, esclarece.

O sonho de Igor é ter o seu próprio circo!


Superação - Jeniffer Fernandes, 20 anos, é a filha do meio de Irisma. Perseguindo o sonho de estudar Dança na universidade, motivada pela atividade artística que desempenhava nos picadeiros dos circos pelos quais viveu até os 15, ela superou os obstáculos da itinerância, a negação constante de muitas escolas que criavam desculpas para não recebê-la, e concluiu o ensino médio, não antes de atravessar amplas barreiras.

“Olha, é porque minha mãe me ensinou a ser muito forte, a não levar desaforo para casa, senão teria desistido. Na escola o preconceito contra nós ciganos e circenses é uma praga! As pessoas são muito ignorantes, acham que vamos fazer algazarra, roubar, ou sei lá o que, se não fosse também a insistência de minha mãe para garantir nossa entrada nas escolas eu não sei o que seria, porque eu sempre sonhei em fazer uma faculdade, e realizarei”, prospecta.

Já Yasmynny Fernandes, 16, a filha caçula, sonha em ingressar na universidade para estudar Enfermagem. Antes de fixarem residência na Comunidade Umburaninha situada no Povoado Crenguenhem – Distritito de Tucano-Bahia, a cerca de 270 Km da capital baiana, Salvador, Irisma, Igor, Jeniffer, e Yasmynny percorreram diversas cidades do da Bahia e fora dele, estudando em cada um desses lugares o tempo em que o circo por elas permanecesse. “Os principais desafios foram enfrentar os preconceitos tanto dos alunos, quanto dos professores. Dizer o quão difícil enfrentar o bullying chega a ser clichê, mas só quem vive e sente na pele sabe como é essa dor”, lastima. Para ela, a falta de estudos e de conhecimento sobre os Povos Ciganos nas escolas é tanta que nossa etnia nem é abordada, é como se ela fosse nula ou não existisse”.


Dificuldades - Outros entraves, segundo aponta, diz respeito aos processos burocráticos educativos (matrículas, transferências, documentos). “Como passamos 15 dias ou até menos em cada lugar é obrigatório ter o histórico original a partir do 1° ano do ensino fundamental até o 1.º do ensino médio. Daí cada vez que terminava o semestre ou unidade, é obrigatório que cada escola nos passem os assuntos a serem estudados, para fazermos as provas e nos emitirem o histórico original com as notas de cada matéria. Mas a maior burocracia é que muitas escolas não querem emitir o histórico original, só querem nos entregar uma declaração, mas as próprias secretarias de educação não aceitam as declarações, e sim cada histórico escolar de cada escola que fomos matriculados, é tudo muito complicado”, expõe.

Discriminação - As escolas “estão longe de compreender as especificidades das vidas ciganas”, afirma ela, recordando que, “na maioria das vezes não compreendem as nossas necessidades, quando chegamos em alguma escola que já tem casos de ciganos/as matriculados/as compreendem e facilitam para a gente, mas quando não, um responsável tem que explicar como proceder em nossos processos para o nosso acesso e aprendizado, era cansativo, as vezes desanimava totalmente, mas eu gosto de estudar e quero um futuro diferente para mim”, deseja. Yasmynny diz ter sofrido discriminação e preconceito muitas vezes. “O nosso modo de vida não é compreendido, nossa linguagem é tida como tola. Fazem piadas tanto das nossas vestes como do nosso modo de viver. Em alguns casos (poucos) somos acolhidos e elogiados, pois mesmo com tanto preconceito que nos cercam não desistimos dos estudos, diferente de grande parte do nosso povo, infelizmente, mas eu compreendo bem os motivos”, depõe.

Sarrara Keilanne de Souza Fernandes, 40 anos, é cigana da etnia Calon e de tradição circense. Graduou-se em Direito, na Faculdade Unyahana de Barreiras-BA, cidade onde reside desde que saiu do circo, para concluir o ensino médio e acessar o ensino superior. Atua profissionalmente como advogada, e promotora cultural. “Na minha época, estudei no circo até 1999, era muito difícil as escolas compreenderem as especificidades da vida itinerante. A maioria das escolas que estudei nunca tinham recebido ciganos/as, então, muitas vezes tínhamos que ensinar, explicar como é as nossas vidas. Muito raramente recebiam pessoas circenses, mas ciganas não. Como vivemos de cidade em cidade, nômades, são características parecidas e questões também”, conta.

Leis - Sarrara relembra que certa feita uma diretora escolar da cidade de Jequié, na Bahia, lhe deu essa lei e suas diretrizes impressas, e seguiu a orientação da educadora. “Quando se recusavam a nos aceitar, mostrávamos as leis e dizíamos que iriamos ao Ministério Público (MP) denunciar se não ficássemos na escola, tínhamos que fazer isso muitas vezes, o que era desgastante, porque já chegávamos nas escolas a contragosto de muitos, achavam que teriam mais trabalho conosco, quando na verdade logo viam que a nossa educação era de berço, que o respeito e a disposição que tínhamos para as aulas era maior do que dos outros estudantes. Se ao chegar nas escolas éramos muitas vezes subestimados, muitas vezes ao sairmos éramos reconhecidos e até homenageados”, orgulha-se.


Tradições - A prima Sarrara afirma que desde a época do então primário e colegial, as tradições ciganas não eram bem-vistas e nem respeitadas nas incontáveis escolas em que estudou. “Quando íamos com as nossas vestes éramos impedidos, e muitas vezes obrigados a usarmos fardas, os uniformes escolares. Mas eu ia de saia, e insistia que iria assim, mas a blusa tinha que ser a do uniforme. Já na Faculdade se quisesse ir com as vestes tradicionais não tinha problema, a questão é que as pessoas olhavam muito com olhares de preconceito e de deboche, então, por conta disso, a maioria de nós nos privávamos de usar nossas roupas coloridas por causa das críticas, e tentávamos nos adaptar. Na Faculdade tinha mais liberdade para ser como sou”, descreve.

As escolas em que não foi alvo de preconceitos e provocações desrespeitosas eram exceções. “Enfrentei muito preconceito nas escolas. Cheguei a ser recusada, a ter a matrícula negada inúmeras vezes, pelo fato de ser circense e cigana. Nunca escondemos que éramos nômades, e davam um monte de desculpas para não nos receber. Já ouvi na cara: ‘não queremos esse tipo de aluno em nossa escola! ’, eu sofria com isso, é muito ruim escutar coisas desse tipo. Se tivéssemos a mente fraca teríamos desistido. Eu chorava, via minha mãe chorar muitas vezes, ela sempre quis que estudássemos, e chegar num lugar a onde a gente é recusado por ser quem é, por ‘não combinar com aquela escola’, não é algo simples de assimilar, é duro, difícil, causa traumas. Mas nós tínhamos que aguentar, fomos nas justiças algumas vezes, e graças a Deus conseguimos superar. Naquela época era muito difícil, mas hoje acredito que as coisas seriam bem diferentes, poderíamos entrar com processos por danos morais, assédio, certamente teríamos algum tipo de justiça, mas nos meus tempos de escola os acessos a estes recursos eram praticamente impossíveis”, recorda ela com a voz embargada.


Discriminação - Sarrara reverteu toda discriminação que sofreu em motivos para persistir no sonho de concluir os estudos. “Apesar de tudo que passei eu não desisti, ao contrário, foi um dos motivos que me levou a querer cursar Direito para lutar por justiça, e é o que eu faço. Às vezes a gente fala assim: ‘- aconteceu isso na sua vida para você desistir, mas muitas coisas acontecem para o oposto, pois leva ao incentivo e a impulsionar às lutas, para que continuemos nos caminhos em que acreditamos. Eu não cedi e nenhum/a dos meus primos/as que viviam no circo e também estudavam desistiram. Nós nos formamos, uma parte concretizou o sonho do ensino superior, e hoje estamos atuando em diversas áreas do conhecimento, e relatando os percalços de nossas vidas escolares na dupla cultura cigana-circense”, testemunha.

Ausência e invisibilidade -Nas inúmeras escolas que esteve, a cigana de tradição circense jamais se deparou, em qualquer ocasião, com atividades, ações, aulas ou qualquer momento em que se abordasse as culturas ciganas. “É impressionante isso, parece que a gente não existe na sociedade. Nunca vi ou tive qualquer momento de estudos acerca das etnias ciganas e nossas culturas, mas espero que hoje esse retrato seja diferente, porque tem muita gente lutando para isso, para que a nossa cultura seja vista, visibilizada, e inserida na grade de conhecimento que devem ser acessados nas escolas, para que mais pessoas possam conhecer nossas reais histórias e formas de vida, e não continuarem a alimentar falácias mentirosas e imaginativas ao nosso respeito”, expressa.

A pedagoga cigana que transformou as desigualdades educacionais em iniciativa de inclusão reparadora na escola

Marcilânia Alcântara é Cigana da etnia Calon, e reside na Comunidade cigana de Sousa, no Estado da Paraíba, considerada a maior do Brasil, com aproximadamente dois mil ciganos/as/es. É pedagoga por formação, e professora da educação infantil. Para ela, infelizmente, a escola que era para ser um espaço de inclusão, de aconchego, e uma porta de ascensão, não cumpre essa função e segue sendo elitista. “Não abordam nos planos pedagógicos os grupos étnicos minoritários do Brasil, que é o nosso caso. Pouco ou nada se fala acerca de nós ciganos, a não ser em datas específicas como o folclore, o que acaba incentivando práticas discriminatórias e fantasiosas que colocam os ciganos como mitos”, expõe.


De acordo com ela, após a instituição de 24 de maio como Dia Nacional dos Povos Ciganos em 2006, algumas escolas fazem algum tipo de referência à data, porém de forma superficial e esporádica. Apesar de o Brasil ter grande quantidade de ciganos, tanto sedentarizados ou ainda nômades, não se investiga ou reconhecem a influência na construção cultural do Brasil.

“É de grande relevância a conscientização através do ensino nas escolas de quem somos, como chegamos no Brasil, porque isso contribui com a diminuição do preconceito e estereótipos. É uma utopia pensar que podemos com isso acabar com a discriminação contra nós, mas é possível diminuir sim, principalmente trabalhando forte na escola desde a educação infantil, é possível contribuir de maneira significativa para levar o real conhecimento do que é o ser cigano. Acredito que ninguém nasce preconceituoso, é a sociedade que vai moldando as pessoas, então, a gente pode moldar pessoas preconceituosas pela falta de informação, inserindo no currículo escolar as culturas ciganas, e mais do que isso, valorizando, ressaltando os aspectos singulares de nosso povo, dos ciganos e ciganas que participaram ativamente dos marcos históricos do Brasil”, introduz.

O papel da escola - Para a cigana-professora-pedagoga, é fundamental explicar nas escolas e para os estudantes os aspectos de tradições das culturas ciganas a exemplo do nomadismo, que, segundo explica, nem sempre é por opção, mas por necessidade histórica de luta por sobrevivência devido às perseguições que sofremos. “Vivemos às margens da sociedade por conta dos estereótipos e nesse sentido é fundamental o papel da escola. E vou além, muitas vezes as pessoas dizem que não gostamos de estudar, o que não é verdade. A escola além de garantir a matrícula considerando as nossas especificidades, tem que assegurar também a permanência. Como a escola é um espaço onde as crianças ciganas não se veem, muitas acabam evadindo, o que é totalmente compreensível. É um agravante para que as crianças não se sintam à vontade naquele espaço e acabam indo embora. E a escola, o que faz para que isso não ocorra? Na maioria das vezes, absolutamente nada! É de suma importância que os ciganos se reconheçam nos conteúdos escolares para construirmos uma nova realidade. Estamos no Brasil desde o seu início, então, é importante que nosso espaço e contribuição sejam demarcados tanto em escolas que atendem quanto às que não atendem crianças ciganas. Quanto mais a gente fala sobre algo, mais a gente desmistifica e acaba com estereótipos alimentados erroneamente ao longo dos anos”, sugere.

Iniciativa promove conteúdo sobre Povos Ciganos na escola

Acerca do trabalho que desenvolve na escola em que atua, ela considera um privilégio, e uma necessidade. “Digo que estou em um espaço privilegiado porque eu sou uma pedagoga cigana que atua em uma escola que atende crianças ciganas da minha comunidade, ou seja, tenho um convívio que vai além da escola, assim, vejo que o meu trabalho tem uma importância enorme para as crianças de meu povo, principalmente as da comunidade porque quando chegam na escola elas podem ver alguém da mesma etnia e cultura, alguém que conseguiu através da educação ocupar um espaço fora da comunidade e ajudá-la de alguma forma. Eu sempre fui uma apaixonada pela educação, assim como pelo meu povo, pela dança e cultura. Sempre vi na educação uma porta de ascensão, um meio de ajudar a comunidade, e faço isso dentro da minha prática, levando a história do nosso povo, especialmente da comunidade cigana de Sousa, das diversas personalidades ciganas que participaram da construção social do Brasil, sobre as comunidades que ainda são itinerantes, ou seja, trago para dentro da escola, que acolhe com todo carinho”, detalha.


Primeira infânciaAtravés de contos criados a partir de histórias e acontecimentos narrados por ciganos anciões, ela aborda a história das culturas ciganas, e as crianças podem ser vistas e se reconhecer. “Quando eu era estudante não me via no espaço escolar e isso poderia ter sido determinante para que eu abandonasse a escola, mas mesmo aquele espaço não fazendo parte de mim, eu não desisti. Trabalho nosso amor e envolvimento com as artes, com o projeto chamado ‘as diversas cores da minha cultura’”, retrata. Em sua concepção, a fase da primeira infância é o momento mais importante na formação das pessoas, e trabalhando com e para esse público as possibilidades de mudanças dos paradigmas são maiores.

“Ter uma professora cigana em sala é certamente algo que levamos para o resto da vida, eu não tive, mas proporcionar isso me faz muito bem pois vejo estampado nos semblantes das crianças o quanto se sentem parte e igualmente capazes. As crianças vão carregar esse sentimento, e as informações para o resto da vida. Outro ponto de destaque positivo é que tínhamos grande evasão das crianças nas escolas, até porque grande parte é itinerante, e trabalhando a questão das identidades ciganas nas escolas, muitos passaram a permanecer, pois começaram a se vê e a se sentir parte da comunidade escolar”, afirma, completando que: “vejo no olhar das crianças ciganas essa questão de ressignificar a identidade, de sentirem orgulho de pertencer ao povo cigano e saberem a quão rica é a nossa cultura, e com tudo isso tenho a oportunidade de trabalhar dentro da nossa escola, só tenho a agradecer por isso porque eu também me transformo e aprendo junto com eles”.


Sua irmã primogênita e seus pais viveram por muito tempo itinerantes, passaram por muitas dificuldades e até fome, conforme recorda. Quando ela e seus irmãos nasceram já haviam se sedentarizado, e as condições de vida melhoraram um pouco. “Meu pai começou a trabalhar e sempre viu na educação uma oportunidade, ele toda vida demonstrava a vontade que tinha de que nós estudássemos e assim foi feito. Passamos por todas as dificuldades que todas as crianças ciganas têm. Íamos muitas vezes para a escola sem tomar café, quando voltávamos não tinha ainda o que comer, e minha avó saia para pedir, meus avós foram essenciais para que não nos faltasse nada, mas passamos muitas dificuldades até conseguirmos todos concluir os estudos. Meu pai terminou o antigo segundo grau por meio de correspondência, já que meus avôs não tinham instrução, não foram escolarizados”, pontua.



Preconceito - Na escola a prima Marcilânia sofria preconceito por conta das vestimentas, pelas características, forma de falar, ou seja, pelo simples fato de sermos um povo diferente. E as escolas infelizmente não compreendem as especificidades das vidas ciganas, por isso quis implantar esse projeto dentro da escola que trabalho, e levo também para outras escolas do município aulas, palestras, apresentações culturais por meio das quais aproveito para falar sobre nossa história e cultura em um trabalho de formiguinha”, destaca. Ela cita um exemplo das diferenças linguísticas e culturais dos/as ciganos/as: “ às vezes as crianças ciganas dizem essa roupa é ‘horrorosa, monstruosa’, usam estas palavras como de costume nas comunidades para se referir a algo grandioso, o que difere do que ocorre normalmente nas sociedades. É um exemplo de divergências que costumam acontecer porque não têm o entendimento de como algumas palavras e termos são usados entre nós ciganos. É preciso sensibilidade para perceber as especificidades que merecem respeito e serem trabalhadas nas escolas”, diz.

Acolhimento - A pedagoga diz enxergar na escola uma porta de saída para a discriminação e o preconceito com os Povos Ciganos. “Mas é importante nós ciganos acessarmos a universidade, para nos tornarmos professores, mestres e doutores, e assim realizamos o difícil trabalho de conscientização, de cobrar do poder público que as escolas ensinem sobre quem somos, e a nossa contribuição cultural e social para o Brasil, pois só assim a gente pode ir aniquilando os preconceitos, desmistificamos, livrarmos o imaginário tosco construído e compartilhado historicamente por não ciganos. Tem trabalhos, artigos, cartilhas que tratam de maneira verossímil de nós, e devem ser usadas nas salas de aulas todas”, sugere.


Para a prima Marci – como carinhosamente é conhecida entre nós --, as escolas e universidades precisam rever seus currículos, precisam ser acolhedoras e oferecer meios de permanência, e isso só é possível através do reconhecimento das identidades do nosso povo. O acesso na escola e a universidade são direitos nossos também, pois pagamos nossos impostos, não queremos e não aceitamos nada menos do que respeito! ”.

“Ninguém melhor do que nós para falar por nós”

Outro exemplo de atuação efetiva na luta pelo direito à educação formal vem de Daiane da Rocha Biam, cigana da etnia Calon. Ela vive no acampamento Nova Canaã, localizado em Sobradinho, no Distrito Federal, ao lado de aproximadamente 70 pessoas de 14 núcleos familiares diferentes, cada uma em sua tenda. Estudante de Direito e secretária da Associação Nacional das Etnias Ciganas (ANEC), é filha do cigano Calon Wanderley da Rocha, criador e presidente da ANEC, e um dos expoentes do ativismo cigano no Brasil.

Desigualdades - “Ninguém melhor do que nós para falar por nós”, inicia a prima Daiane, ao narrar que existe uma enorme desigualdade em relação não só à escolarização dos estudantes ciganos/as, mas dos direitos outros ditos iguais. “Conosco não é assim que acontece. Uma das diferenças é que ao tentar acessar o direito de estudar, os próprios requisitos dificultam muito dentro das especificidades das culturas ciganas, pois muitas comunidades ainda vivem de cidade em cidade, não só por conta da tradição e cultura, mas por imposição do Estado, das próprias condições de vida, pelo trabalho muitas vezes informais no comércio, com a locomoção de um lado para o outro… eu mesma tenho duas filhas, e inúmeras vezes fui tentar matricular elas e quando sabiam que somos ciganos/as a primeira coisa que ouvia era: ‘como assim? Se a gente matricular vocês aqui logo depois vocês vão embora e só vão nos dar o trabalho de matricular’, então, isso doía muito e acabávamos desistindo, tentando em outros Colégios. Cansei de ouvir ‘não adianta matricular vocês, porque logo – logo vão embora!”, relembra.


Diferenças - Conforme declara, existem inúmeras dificuldades e diferenças na escolarização formal dos Povos Ciganos, que a própria escola faz “por nossas maneiras de vestir, de falar, é uma diferença grande e a gente percebe os olhares”. Na tentativa de amenizar o sofrimento que passou na luta por acesso das pessoas da comunidade nas escolas, ela teve a iniciativa de ministrar aulas dentro da própria comunidade para jovens e adultos. “Porque quando conseguimos firmar nossa comunidade em Brasília, e conseguimos parar e matricular nossas crianças, os jovens e adultos queriam também ter a oportunidade de estudo, mas tinham vergonha, porque como tardou muito a questão dos estudos, tínhamos jovens de 18, 20 anos que tinham vergonha de ir para 2ª, 3ª, ou 4ª séries, vez que por conta da vida de locomoções contínuas, não podiam estudar, não tiveram oportunidades até pela questão do endereço que não tínhamos, e quando explicávamos que não tínhamos residência fixa, daqui que conseguíssemos explicar, o constrangimento tomava conta, e algumas pessoas da comunidade desistiram porque acabavam acreditando que nem era um direito”, lamenta.

Indignação motiva professora cigana a lecionar na comunidade


Foi a indignação da prima Daiane que a motivou a ministrar as aulas na comunidade. “Mas infelizmente não houve continuidade por conta de outras questões alheias à comunidade, tivemos de ir embora, e por isso tive que interromper o trabalho, mas foi um período muito rico, no qual percebia a vontade que tinha nosso povo de estudar, e a inteligência inata de aprender de forma rápida, a preocupação de querer e ter força de vontade para seguir”, destaca. Após esse período de ensino e aprendizado dentro da comunidade, muitos/as/es foram matriculados/as/es no ensino formal em uma escola perto do grupo, mas eles constantemente relatam isso: “os olhares, as diferenças, porque os homens usam botas, roupas mais chamativas, estampadas, as mulheres mais enfeitadas, então, se sentiam diferentes do restante das outras pessoas que estavam ali, a sociedade civil comum”, reflete.

Desconhecimento - “E também por isso a importância de termos nossa história contada nas escolas, a história de nossas culturas, para que as pessoas conheçam e entendam, pois sabem muito pouco sobre nós, e esse pouco que conhecem não nos representa, muitas das vezes é de onde vem o preconceito, porque geralmente acreditam que somos uma religião, e não uma cultura que tem liberdade de escolher dentre todas as religiões, e outros mitos e lendas construídos que também não nos representam, e acabamos enfrentando intenso sofrimento, constrangimentos por conta desse pouco que ouviram, principalmente quando eram crianças, por exemplo, ‘entrem para casa senão os ciganos vão passar e te pegar’, então, as crianças daqueles tempos são os adultos de hoje que cresceram com essa ideia errônea de que somos místicos, misteriosos, que cigano é ladrão…e infelizmente os próprios dicionários ainda reforçam esse tipo de coisa. Uma vez uma das minhas filhas disse: - mãe eu tenho medo de alguém na sala de aula ver no dicionário escrito que somos um povo ‘errante, trapaceiro’, e me perguntarem alguma coisa. Isso me doeu muito e eu nunca vou esquecer”, emociona-se.


Em sua concepção, “muito se tardou a conseguirmos os nossos direitos, estamos agora lutando pelo estatuto dos Povos Ciganos no intuito de termos respaldo, reconhecimento do Estado, e para que a sociedade e o Estado entendam que ninguém precisa gostar da gente, mas o respeito precisa existir, assim como a igualdade, e a educação de forma igualitária para todos. Que nem meu pai Sr. Walderley da Rocha, diz: ‘que possamos ter o direito de ter direito, de acessar o direito nesse país'''.






ESCOLAS NEGAM O DIREITO À MATRÍCULA DE ESTUDANTES CIGANOS/AS EM PLENO 2022

Desde a primavera de 2020, quando iniciei a construção da minha pesquisa acerca da relação dos Povos Ciganos com a Universidade, no Instituto de Humanidades Artes e Ciências Milton Santos (IHAC/UFBA), fui convidado, e inserido no Coletivo Brasileiro de Estudos Ciganos (COBEC), que reúne cerca de 80 pesquisadores estudiosos da ciganologia brasileira (ciência que estuda os ciganos).

Enquanto escrevo esta reportagem em meados de março/abril, o tema das desigualdades nos processos escolares dos grupos ciganos veio à tona por meio de acontecimentos lamentáveis, e denunciados através da interseção de duas pesquisadoras do grupo, Edluza Maria Soares de Oliveira, e Natally Chris da Rocha Menini. Vejamos como os poderes públicos municipais procederam nas cidades do Rio de Janeiro-RJ, e Penedo-Alagoas, quando requisitadas matrícula para crianças ciganas.

Edluza: - Boa tarde colegas! Preciso de uma informação e colaboração: o que é preciso fazer para auxiliar uma comunidade cigana que necessita de matrícula em escola que está sendo negada, alegando falta de vagas. E ainda necessitam adquirir certidão de nascimento. Por gentileza alguém pode colaborar, em vistas das experiências de cada um aqui neste grupo? Eu apelo fortemente. Gratidão!

Natally: - Bom dia, Edluza. Você é de qual Estado? Eu sou educadora popular no subúrbio do Rio de Janeiro, região onde eu moro. Em fevereiro deste ano algumas famílias do cursinho comunitário que integrou precisaram de auxílio para a realização de matrículas de seus filhos (a pandemia fez com que muitos evadissem) e para conseguirem transferência de matrícula em escolas públicas. Tanto a Secretaria Estadual de Educação como a Secretaria Municipal do RJ estão realizando tudo digitalmente. Então, eu precisei realizar/atualizar com eles e com os seus responsáveis as solicitações de matrícula e de transferência pelas plataformas digitais dessas secretarias. No entanto, nessas mesmas plataformas eu não consegui finalizar os requerimentos porque os sistemas alegavam “falta de vagas.” Então, eu precisei ir presencialmente na coordenadoria regional metropolitana (Metro/SEEDUC/estadual) e na coordenadoria regional de educação (CRE/SME/municipal). Acompanhei os alunos e os seus responsáveis e enfrentamos uma verdadeira "saga" para conseguirmos o direito à matrícula, rematrícula e transferência que cada um precisava. A realidade da educação pública aqui no Rio está muito complicada, principalmente aqui no subúrbio. Se as crianças ciganas forem do município do Rio, aconselho, com base em minha experiência, que oriente os responsáveis das crianças a irem diretamente na CRE. Eles só atendem se as crianças estiverem com os seus responsáveis legais. E com relação à certidão de nascimento e outros documentos, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) é o mais indicado para a orientação. No caso de segunda via de documentos civis, incluindo a certidão, é possível solicitar pela internet.

Edluza: - Bom dia! Agradeço sua atenção. Eu sou de Alagoas. E a cidade em que residem as comunidades Ciganas é Penedo, no interior de Alagoas na parte Sul. É bom saber de sua experiência e dos colegas que aqui se expressaram a respeito. Aproveito para informar para todos e todas que a vaga que foi pleiteada para uma criança cigana de 6 anos já foi efetivada. Tive que falar com uma professora da cidade, que por sua vez conhecia alguém influente na secretaria municipal e assim em contato com a liderança Cigana e os pais da criança foi resolvido. - Uffa!, parece uma coisa de outro mundo, não é? Agradeço muito todas as possibilidades elencadas para a resolução do ocorrido.

Com a autorização delas, transcrevi de forma literal as mensagens trocadas em um grupo de mensagens, ao que recebi o seguinte incentivo da Natally: “ - Esse tema da sua reportagem é da maior relevância e vindo de você, com certeza, contribuirá para problematizar essas barreiras econômicas e étnico-raciais que as crianças ciganas enfrentam para conseguirem acesso à escolarização. Pode utilizar o meu relato sim, fique à vontade. Nessas minhas experiências como educadora, estou há mais de uma década acompanhando crianças e adolescentes que enfrentam, sobretudo, barreiras socioeconômicas. Essas barreiras, infelizmente, são constantes no nosso cotidiano nas periferias e favelas cariocas”, reiterou

“- Certamente, Roy. Conte com o meu relato!. ”, autorizou-me Edluza.

Lembranças dolorosas - As barreiras sobressaltadas para matricular nas escolas estudantes ciganos/as, sobretudo os/as itinerantes, foi algo que vivenciei por muitos anos durante a trajetória nos circos de meus familiares. Recordo que minha Tia Edna Souza era apelidada de “a barraqueira das escolas”, porque muito teve que brigar, bradar, gritar, que “não se tratava de opção nos matricular, mas de um direito assegurado por leis federais”, como bem relembrou a prima Sarrara Fernandes em seu depoimento.

Dói profundamente saber que situações desta natureza continuam a acontecer no Brasil em pleno século 21. Dói tanto quanto lembrar do choro copioso de minha mãe, e das minhas tias, quando, apesar de muita insistência, ameaças e brigas, não conseguíamos vagas nas escolas que desejávamos. Às vezes a negação incisiva se transformava em desistência imediata, pelo medo que tinham de sofrermos retaliações nessas escolas, ou até mesmo de demorarem absurdamente para nos fornecerem aqueles documentos burocráticos para nos matricularem nas cidades seguintes, o que não raras vezes ocorria.


Como as distâncias percorridas com os circos eram por vezes colossais, e sem o auxílio da internet e seus meios digitais, era um pandemônio conseguirmos os “bentidos-malditos” papéis sem os quais não poderiam nos matricular nas próximas escolas. A desculpa esfarrapada que partia dos/as dirigentes escolares, há 20, 30 anos atrás já era a famigerada “falta de vagas”. Com tantas dificuldades, acabávamos por valorizar em demasia a escola e os estudos, o que provocava, além de surpresa, comentários elogiosos, por parte desses mesmos dirigentes escolares, tinham de reconhecer as nossas contribuições nas breves passagens - presenças naqueles espaços de formação. Geralmente na despedida, porque as recepções raramente eram de feliz acolhida, mas de vasto constrangimento, menosprezo. Não esqueço.

Especialistas apontam desigualdades educacionais e tecem sugestões para promover a integração dos estudantes de etnias ciganas nas escolas

Infelizmente, situações como as expostas através desses “personagens” ciganos da vida real, estão longe de serem simples exceções. Para aprofundar nas questões que envolvem esses impasses cotidianos na vida dos estudantes ciganos/as, conversei com pesquisadoras – doutoras, especialistas no tema, que apontaram desigualdades educacionais, e teceram sugestões para reverter os entraves, e promover a plena integração dos estudantes de etnias ciganas nos espaços escolares.

Uma delas, Lenilda Damasceno Perpétuo, professora da Educação Básica da Secretaria Estadual de Educação do Distrito Federal, Mãe, Mulher trabalhadora, militante da Educação popular, pública transformadora e de qualidade, da Educação de Jovens e adultos (EJA), alfabetizadora popular, pesquisadora em acampamentos ciganos Calon. Mestra e Doutora em Educação, autora da dissertação sobre Processo de Escolarização da Comunidade Cigana Calon, e da tese “Quantas pedras no meio do caminho? Representações sociais acerca dos Povos Ciganos e a relação com o trabalho e a educação escolar na Etnia Calon”, ambas defendidas na Universidade de Brasília (UnB).


Incompreensões - Ela conta que chegou a uma comunidade cigana da etnia Calon no Distrito Federal por meio de uma denúncia, na qual relataram que havia uma área rural em Sobradinho, distrito de Brasília, com várias crianças ciganas sem escolas e nas ruas. Ao chegar no acampamento cigano de Nova Canaã, e se aproximar das famílias ciganas para compreender os problemas e os motivos pelos quais as crianças não estavam na escola, encontrou algumas questões delicadas. As mães alegaram, com muita tristeza, que quando batem na porta das escolas só recebem “Não”, é que as secretarias diziam não ter vagas para ciganos, porque os mesmos não paravam em lugar algum, não tinham residência fixa, e que não podiam realizar as matrículas dessa forma. “O que vimos e sentimos é que a escola, na forma que ela está desenhada, continua sendo excludente. Essas populações ciganas são invisibilizadas, o material didático pouco ou nada dialoga com as pessoas que vêm de outros contextos sociais e culturas. E no caso dos ciganos isso se amplifica, não aparece nos conteúdos didáticos as histórias deles, e nada que os liguem às suas identidades e suas culturas”, explica.

Modelo eurocêntrico - Em seu diagnóstico, o espaço da escola não tem lugar para outras culturas e principalmente para as culturas ciganas, sendo formada em modelo eurocêntrico e norte americano, com muitas coisas copiadas e importadas, “e a gente perde o que é nosso”, salienta. “O Brasil é um País da diversidade, um mosaico étnico - plural, então, não tem como a escola não dialogar com todos e todas. Os projetos políticos das escolas não contemplam essas etnias. Nos livros didáticos não aparecem, suas histórias não são contadas, e quando aparecem, por exemplo em dicionários, ainda consta descrições deturpadas, estereotipadas, racistas, discriminatórias e bem folclorizadas”, complementa.

No que tange à escolarização das crianças, ela ressaltou que em sua pesquisa, quanto aos desafios e peculiaridades, as crianças as quais diz ter tido o prazer de conhecer e conviver dentro e fora das escolas, dentro e fora dos acampamentos ciganos, tendo entrevistado muitas delas, escutou em suas falas - muito significativas - acerca das suas experiências dentro das escolas, que essas foram extremamente dolorosas. “E a gente percebe que há um antagonismo entre os espaços livres dos acampamentos onde elas são criadas, e as escolas, que são espaços fechados, com muitas fechaduras, muitas grades, tudo isso os assusta muito. São coisas que eles trouxeram. Outro exemplo, uma criança cigana da escola me falou: '-Professora, as crianças lá da escola são tristes, a escola é triste, tudo muito fechado, não nos deixam ser nós mesmos, querem nos uniformizar. Somos coloridos, alegres, gostamos de músicas, danças, e na escola a gente tem que ficar sentado o tempo inteiro, isso é um pouco chato! ”, rememora Lenilda, com a voz embargada pela emoção.

Desafios - Quanto aos principais desafios dos Povos Ciganos para acesso e permanência na educação formal, ela considera que a escola ainda precisa conhecer seus sujeitos, vez que por todas as escolas nas quais passou em suas pesquisas de campo, observou que nos documentos não aparecem os Povos Ciganos. A doutora em Educação, assinala que a escola precisa fazer seu inventário para saber quem são os povos que ali estão, os seus sujeitos. “Falamos muito sobre isso nas escolas, nas rodas de conversa. A escola precisa dialogar com todos e todas, somos o país da diversidade, não há como negar essa diversidade étnico racial, e a escola é um espaço sagrado onde acontece todo o desenrolar do desenvolvimento humano”, considera.

Diálogo- Lenilda indica que os/as ciganos/as levam para o espaço escolar as suas histórias, experiências, “ e isso é muito bom para a gente construir e desconstruir as relações sociais, portanto, os professores, gestores, e toda comunidade escolar precisa estar atenta para conhecer os seus estudantes, seus contextos sociais e culturais, e abrir espaços de diálogos e debates visando uma construção coletiva do conhecimento, ou seja, aproveitar as experiências que eles trazem para o ambiente da escola e fazer esses diálogos com todos e todas, por meio dos quais todos/as possam enxergar na escola um espaço de ampliar as suas fronteiras do conhecimento, então, é muito importante que as pautas das comunidades ciganas sejam levadas às escolas para que seja possível conhecer a realidade deles”.


Políticas públicas - Em sua avaliação, as políticas públicas infelizmente não assistem aos povos ciganos considerando suas tradições e culturas, “ainda temos muito o que avançar! ”, frisa. “O que as minhas pesquisas trouxeram foi que precisamos ainda de muitos estudos, debates, nos debruçarmos nos teóricos e nas comunidades, porque aprendemos muito quando sentamos com eles para conversar, fiz isso muitas vezes nas minhas andanças nos acampamentos. Eu mais aprendia do que ensinava. Temos muito o que avançar, pois os povos e comunidades ciganas são marcados historicamente por um percurso doloroso de preconceito, exclusão e expulsão, eles sentem na pele diariamente os resultados de muitas violações dos seus direitos fundamentais, embora alguns documentos tenham sido construídos na tentativa de diminuir as desigualdades sociais”, pondera.

A pesquisadora sugere que as pautas ciganas precisam “ser vistas e ser construídas com eles e com elas, pois não é só falar deles e delas, é falar com eles e com elas, ouvi-los/as, para que possamos construir políticas públicas que abarquem as suas demandas. Não adianta começar apenas de cima para baixo, tem que haver diálogo entre as comunidades e às secretarias de educação, para que a gente possa reconhecer todo o conhecimento que essas pessoas trazem para o ambiente escolar, e para que a escola possa credenciar esses conhecimentos, esses saberes que são muito importantes”, aprecia.

Ela partilha uma experiência positiva que vivenciou ao pesquisar a escolarização dos/as estudantes ciganos/as. “Uma das escolas de minha pesquisa de campo abriu espaço. O líder da comunidade cigana de Sobradinho esteve na escola, deu palestra, sentou junto e conversou com as crianças ciganas e não ciganas, e depois a escola colocou as crianças em um ônibus e foram até o acampamento. Esta foi uma experiência exitosa , pois as crianças tiveram o contato, viram como os ciganos vivem e como são. Momentos de trocas e dialéticas são fundamentais, porque as mudanças só acontecem quando, através do diálogo, passamos a compreendermos uns aos outros”, afirma.

Resultados das pesquisas – “minha pesquisa mostra que não basta garantir o direito à educação como está muito bem escrito no artigo 205 da Constituição Federal de 1988, que é direito de todos, dever do Estado e da família, mas não basta isso. No caso das famílias ciganas uma das demandas da pesquisa é que a escola reclamava muito de que as famílias não faziam acompanhamento pedagógico das crianças nos acampamentos. Um dia os pais ciganos foram a uma reunião escolar e foram indagados sobre não acompanhar as crianças, reclamaram que elas não faziam o dever de casa, e um dos pais respondeu: ‘- como que a gente vai ensinar aos nossos filhos se nós mesmos não sabemos ler e nem escrever? Nós sabemos outras coisas, tocar violão, cantar, dançar, fazer negócios’. Eles são negociadores natos, convivem muito bem com a natureza, e com as artes, mas aquele tipo de educação formal escolarizada a eles foi negado, então se às famílias foi negado o direito a frequentar escolas, como que a gente pode cobrar aos pais que eles tenham acompanhamento pedagógico com as crianças? ”, questiona. Para ela, não basta só constar no papel que a educação é direito de todos/as, “temos que rever isso, pois em tese isso acontece, o que na prática da rotina das escolas não acontece é a inclusão social e educacional em todos os níveis, para que se sintam parte do espaço escolar e não estranhem, e que sejam respeitados e valorizados”, argumenta.


Em sua interpretação, “Lamentavelmente as políticas públicas não são satisfatórias para os povos ciganos. A educação é algo muito restrito, engessado, recebemos modelos prontos, já desenhados, baseados em outro tipo de formação, sobretudo porque nega os nossos e aos nossos que estão aqui conosco. A escola e toda a sua organização do trabalho pedagógico precisam abrir espaços para as demandas das populações ciganas. Todas as escolas que adentramos por meio da pesquisa escutamos queixas dos professores e gestores de que os ciganos evadem muito da escola. Indagamos, então, em que medida a escola e seus documentos, os materiais didáticos, estão dialogando com essas pessoas e suas culturas? ”, e provoca: “Não adianta só ter o espaço da escola, é preciso o diálogo, que se abram espaços de debates e de fala para que estudantes ciganos/as possam se sentir sujeitos daquelas histórias, sujeito daqueles lugares e pertencentes. Falta muito a sensação de pertencimento, e de que os ciganos e as ciganas possam contribuir muito para que esse nosso espaço da escola seja plural, onde todos e todas possam crescer, desenvolver, trocar suas culturas, seus modos de vida, e é muito importante esse espaço porque a gente vê que eles trazem muitas coisas interessantes, muitos elementos que vão nos ajudar a compreendê-los, e a compreender todo contexto social e histórico que eles vivem e vieram”.

Desigualdades – Em sua avaliação, na escolarização de estudantes ciganos/às "existem sim muitas desigualdades, a primeira coisa que o sistema educacional faz é a descaracterização da identidade cultural dos povos ciganos, os uniformizando e retirando suas identidades. Depois a classificação e o ‘ensalamento’, colocando todos de mesmo ‘nível’ juntos – mas que nível é esse? Como medir o conhecimento de cada um? Então, todos vão para um mesmo quadrado em uma sala, numa determinada. E muitas vezes os jovens que estão em defasagem são colocados junto com crianças em uma mesma turma, os grandes com os pequenos, vimos muito isso nas escolas aqui, e eles lamentavam, reclamavam com a direção. Isso gera um desnível e dificulta o diálogo, a aprendizagem”, atesta.

A questão da incompreensão da itinerância enquanto tradição, e a efetivação de matrícula dos estudantes ciganos em turmas de alunos mais novos são dois entraves destacada por Lenilda, ao recordar de um outro exemplo, dessa vez um rapaz cigano de 16 anos falou o seguinte com a diretora de uma escola: “- a senhora não poderia me dar uma atividade, uma tarefa para fazer? Porque eu não estou gostando de ficar nessa sala de criancinhas! ”; “Eles sentem muito isso, e somado ao fato de que muitas vezes o/a adolescente cigano/a se casa bem cedo, e casamentos endogâmicos dentro de suas comunidades, o que na leitura que a escola faz, ocorre um estranhamento enorme na concepção que a escola e a educação fazem. Então, as vezes, muitos já casados, dividem a sala com crianças por estarem em defasagem, e isso dificulta tudo para eles, já que fazem parte de outra cultura, de muitas mudanças por lugares diferentes, e querendo ou não carregam em suas vidas e memórias uma grandeza de vários lugares por onde passaram. Eles fazem uma leitura de mundo muito mais rápida, e muito maior do que as crianças que estão naquele contexto”, reconhece.


Fatores - Lenilda segue apontando fatores que geram desigualdades na escolarização dos estudantes ciganos. “Os livros não contam as suas histórias, e no projeto das escolas também não há menção a eles que sofrem muito bullying por suas vestimentas, ou dos familiares que vão buscá-los com suas roupas coloridas e diferentes, o que causa estranhamento. Os meninos sofrem por terem seus cabelos geralmente longos, e as meninas também, ou seja, são incompreendidos/as, desrespeitados/as, desvalorizados/as, e no final das contas ficam silenciados, e não encontram na escola uma oportunidade de discutirem suas culturas, as formas de vida. Todo sistema de educação do país precisa urgentemente de políticas públicas efetivas de inclusão, ouvir as comunidades ciganas, e garantir seu direito à educação pública plural, laica, de qualidade para todos e todas”, avigora

Experiências - Ela continua à narrativa, recordando os trabalhos que realizou com estudantes ciganos. “Eu já tive alunos ciganos quando estava dando aula na EJA-Programa de Educação para Jovens e Adultos em Sobradinho-DF, percebia eles muito silenciados, as moças principalmente, mas muito atenciosas, prestavam total atenção nas aulas. Eles estudavam à noite, e era bem distante do acampamento. Iam de longe no transporte locado pelas secretarias de educação, e careciam ainda de caminhar por dois quilômetros até a pista a onde o transporte passava. Andavam no escuro, no frio ou intenso calor, e muitos foram desistindo. Mas recordo que foi uma experiência muito boa, em uma época em que estava começando a me aproximar da pesquisa de mestrado, e tive, em 2015, essa honra de ter alunos/as ciganos/as, e depois acompanhei outros grupos ciganos nas escolas rurais, e via que os adultos para permanecerem nas escolas enfrentavam muitas dificuldades, por isso acabavam desistindo. A gente lutava pelo acesso, eles também, só que a permanência é complicada, por conta da distância, do cansaço dos trabalhos que realizam, a exemplo das vendas ambulantes e outros negócios, muitas vezes no sol quente, eles ficaram pouco, mas muito nos marcaram”, recorda.

Tenda-escola: um exemplo de ação educacional para estudantes ciganos/as


Levantar uma tenda-escola em um acampamento cigano foi a ideia de Lenilda com fins de amenizar a exclusão educacional dos estudantes ciganos. “Em outra experiência muito interessante conseguimos fazer uma tenda-escola dentro do acampamento, através do Programa DF Alfabetizado, que era um braço do projeto Brasil Alfabetizado do MEC. Alocamos alfabetizadoras dentro do acampamento, mas vinham outras questões, por exemplo, a falta de banheiros, o que provocava reclamações dos profissionais. Depois uma cigana da etnia Calon, Daiane da Rocha Biam fez um curso de alfabetizadora, conseguimos materiais, montamos a tenda, e ela começou a dar aula para a própria comunidade. Isso foi tudo que a gente mais queria na época, que a escola viesse para dentro do acampamento, o que na minha experiência de educadora e professora, vi que foi a que mais deu certo, deles terem uma alfabetizadora dentro do acampamento e principalmente sendo da comunidade”, descreve a aliada da luta cigana pelo direito à educação, Lenilda Damasceno Perpétuo, finalizando que: “A gente precisa lutar por uma educação para todos e todas, e para que a própria comunidade possa ter alfabetizadores, vez que dialogam diretamente com a cultura cigana e suas populações. Nessa perspectiva, o trabalho flui muito mais porque terão os próprios ciganos como educadores, e nada mais justo!”.


Agora temos outro exemplo de educadora interessada nos processos de escolarização de estudantes ciganos/as: Edilma do Nascimento Jacinto Monteiro, que é professora, bacharela em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Doutora em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGAS/UFSC), e Mestra em Antropologia Social pela UFPB. Em seus trabalhos de pesquisas científicas, etnografou as infâncias de crianças ciganas da etnia calon.


Segundo relata, inicialmente ela escreveu um projeto de pesquisa a fim de compreender as relações das crianças ciganas com a escola, ainda alimentada pelo imaginário de que as crianças ciganas supostamente não gostam de escola, o que ocasiona a defasagem e evasão, mas tendo em mente pesquisas da Antropologia com crianças Indígenas que mostram ser possível debater a insuficiência da escola no atendimento aos diferentes grupos de Povos Tradicionais existentes no Brasil. “Como antropóloga das crianças, que acredita no poder criativo, no potencial e participação efetiva das crianças, estar em campo podendo observar a forma relacional das crianças ciganas com adultos ciganos me fez pensar a presença das crianças ciganas nas escolas, e como seria importante a presença de adultos ciganos na escolarização delas, para que seus pais pudessem confiar a escola”, inicia.

Pensando a infância calon - A antropóloga destaca que pensar a infância das crianças ciganas da etnia calon não é em nenhum momento tentar diferenciar para distanciar, vez que à criança cigana deve ser assegurada dos seus direitos enquanto uma criança brasileira, mas que deve ser assistida em suas especificidades enquanto crianças pertencentes a um povo tradicional, que deveria estar em escolas nas quais suas culturas sejam valorizadas, para que cresçam com orgulho de seus pertencimentos. “Elas precisam ter seus acessos facilitados, e é preciso se pensar quais políticas deveriam servir de base. O plano nacional da educação não contempla as crianças ciganas em sua integralidade”, ajuíza.

Tecendo sugestões para a mudança - Em sua análise, se houvessem projetos municipais em cada prefeitura para se pensar as relações, e os processos de alfabetização de crianças ciganas dentro das comunidades, perto dos seus familiares, certamente teríamos menor evasão escolar, vez que na maior parte dos casos as crianças ciganas vão para a escola em uma idade já superior, ou seja, maiores. “Embora se tenha Resolução de 03 de 16 maio de 2012 poucas são as escolas que têm domínio e conhecimento, e menor ainda é a quantidade de escolas que a efetivam”, avalia. “O correto é a escola receber as crianças em situação de itinerância, matricular, e a coordenação pedagógica acompanhar para ver qual a série a criança estaria inserida, tentar colocá-las em séries mais próximas das idades delas, e traçar um reforço pedagógico no contraturno, para que elas consigam acompanhar… mas eu nunca vi essa experiência na prática, o que se percebe é um imenso descaso e descuido pois colocam crianças ciganas de 8, 9 anos com crianças bem menores, e ocorre que muitas vezes não se adaptam e evadem. Então, a minha tentativa com a pesquisa era escrever sobre as infâncias calons para que as pessoas pudessem ler, conhecer, aprender, se aproximar e entender os porquês, e a partir deste entendimento, das especificidades dessas infâncias, se pensar em políticas que cheguem até as crianças ciganas”, conjectura.


Em sua avaliação, o maior desafio da escolarização das crianças ciganas é se pensar planejamentos municipais que alcancem verdadeiramente as famílias. “O grande desafio é trazer para o ensino, para os currículos, a história real dos povos ciganos, pois o se a gente não conhece um povo, a gente erra pela ignorância, e a gente vê muitas pessoas ignorantes sobre os povos ciganos por aí.”, disse. “Se criou durante muitos anos um imaginário sobre os povos ciganos, um imaginário que é mítico, que é de magia – e não é que não tenha – é que a forma como foram construídos acabou por reduzir os as pessoas ciganas a determinados adjetivos, colocações e posicionamentos sociais, retirando deles o direito de ser e estar onde quiser. O desafio da educação é arrebentar com esses limites da educação que foram impostos às pessoas ciganas durante todos esses anos, então, trazer para dentro dos currículos escolares básico, médio e superior conteúdos confiáveis dos ciganos é imprescindível, e depois pensar, a partir desses currículos, em como trazer as crianças ciganas para a escola, como trazer os/as jovens ciganos/as para a universidade. Como não ter esses/as jovens ciganos/as na universidade e nos Programas de Pós-graduação? E como fazer com sejam inseridos/as em campos de trabalhos após essas formações? Pois mesmo após formados/as muitos/as enfrentam a praga do racismo que os impedem de ascender, e participarem mais ativamente do mercado de trabalho, ainda que tenham uma boa qualificação, não conseguem emprego. Certamente ajudaria a diminuir a experiência de racismo ter a presença dos Povos Ciganos nos currículos da educação brasileira”, declara.

Elaboração de políticas efetivas são fundamentaisPara ela, as políticas efetivas que atendam qualquer pessoa cigana que queira acessar a rede de ensino devem ser ofertadas por município, uma vez que entre os desafios para acesso e permanência das crianças nas escolas, o fato de que em alguns contextos entram tardiamente, e assim sendo, não recebem o que deveriam receber da escola, não são alocadas nas salas corretas, sem apoio pedagógico adequado, crianças com 11, 12 anos em salas de crianças da faixa etária de 6, 7, elas naturalmente se sentem deslocadas, sozinhas, e acabam por evadir. As crianças ciganas são extremamente inteligentes, atentas, sagazes e perspicazes, então, ali ela terá o primeiro entendimento do processo de discriminação, é como se quisessem inferiorizar o conhecimento e a sabedoria que elas têm por não terem o processo de alfabetização das crianças da sua idade. Então, caberia à escola alocar essas crianças em turmas que se adequam às suas idades, e realizar o acompanhamento pedagógico”, propõe.

Em sua conclusão, as políticas da educação de modo geral são insatisfatórias para os Povos Ciganos, “pois reconhecer os/as ciganos/as enquanto Povos Tradicionais brasileiros ainda é insuficiente, precisam é de políticas públicas direcionadas a eles em sua integralidade. As ações afirmativas têm agregado efeitos positivos para a sociedade brasileira, mas estão longe de abraçar os Povos Ciganos amplamente, o que é fundamental nesse movimento de retomada, de resgate dos seus lugares de pertencimento por direito na sociedade.”


Estudantes e professores confirmam ausência das culturas dos povos ciganos e suas histórias nos livros e conteúdos pedagógicos

Considerando as questões levantadas por Lenilda Perpétuo e Edilma Monteiro, bravas pesquisadoras do tema da escolarização dos/as estudantes ciganos/as, realizei uma pesquisa com dez adolescentes que trabalham como Jovens Aprendizes, com idades entre 14 e 24 anos, participantes do Programa “Jovem Aprendiz Empreendedor”, do Parque Social – ligado à Prefeitura de Salvador, atuantes na Secretaria Municipal da Saúde de Salvador (SMS), unidade na qual também presto serviços na função de jornalista da assessoria de comunicação. Lhes questionei se em suas trajetórias estudantis, em algum momento, tiveram acesso a algum conteúdo, e/ou aulas acerca dos Povos Ciganos. Foram unânimes na negativa, absolutamente nenhum deles alegaram ter tido qualquer contato na escola com assuntos relacionados.

Cercado de professores/as da educação infantil no meu ciclo de relações próximas, perguntei para cinco deles/as se nas instituições em que lecionam são contemplados nos conteúdos pedagógicos conhecimentos e/ou aulas sobre Povos Ciganos e as culturas inerentes. Fiquei triste, porém não surpreso, porque não causa espanto que mais uma vez as respostas tenham sido um simples e direto: “-NÃO!”. Contudo, recebi um convite que partiu da comprometida professora Patrícia de Lima, para participar de uma aula expositiva com crianças do 3º ano do ensino fundamental I, com a temática “História e Culturas dos Povos Ciganos”. Prontamente aceitei!

RESPOSTAS

Como nos orienta o bom jornalismo, procuramos o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), e o Ministério da Educação (MEC), em busca de respostas para as denúncias acerca das desigualdades na escolarização formal dos Povos Ciganos, explicitadas nesta reportagem. Vejamos os questionamentos apresentados via e-mail, enviado no dia 22 de março para a assessoria de comunicação das referidas pastas:

Quais dados relacionados aos povos ciganos o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos possui que possa partilhar?;

O MMFDH possui projetos/ações/políticas que dizem respeito à escolarização formal das crianças, jovens e adultos de etnias ciganas?; O MMFDH dispõe de dados relativos a evasão escolar das crianças ciganas, e/ou outros dados/informações que consideram pertinentes para a melhoria das condições de suas condições de estudo, bem como para assegurar o direito básico à educação dos povos ciganos, em tese assegurados pela Constituição Federal?;

De que forma o MMFDH trabalha a perspectiva do Direito Humano quanto à escolarização formal das crianças, jovens e adultos de etnias ciganas?;

O MMFDH possui cartilhas/materiais educativos, e/ou de conscientização para uma escolarização igualitária, garantia dos básicos, e sobretudo para alcance do direito à educação de crianças, jovens e adultos ciganos? Se sim, quais?;

Existem prerrogativas/orientações via documentos direcionados para todas as escolas do Brasil para que acolham estudantes ciganos considerando as especificidades de suas tradições e culturas?;

Algumas fontes relatam extrema dificuldade - inclusive eu durante a vida itinerante as enfrentei - para matricular crianças ciganas nas escolas, isso por conta da itinerância, o problema se agrava no caso de ciganos de tradição circense, meu caso. Algumas escolas alegam que sem endereço fixo não podem matricular os ciganos, o que o MMFDH tem a dizer acerca disso? E qual a orientação da pasta nesses casos? Existe trabalho de apoio a essas causas por parte da pasta?;

Como estudantes-crianças ciganas podem assegurar vagas nas escolas e outros direitos mesmo sendo itinerantes, e qual papel da pasta nesse sentido?;

O MMFDH trabalha, sugere, e orienta as escolas quanto a necessidade de trabalhar os direitos, as histórias e culturas dos povos ciganos em seus currículos e/ou projetos pedagógicos?;

O MMFDH considera importante retratar as culturas ciganas nas escolas para que compreendam as especificidades desses povos?;

O MMFDH incentiva as Universidades a abrirem vagas de ações afirmativas/cotas para ciganos?;

O MMFDH considera importante as ações afirmativas para os povos ciganos?;

O que tem sido/foi feito pela gestão atual da pasta em prol da escolarização formal dos povos ciganos nos níveis fundamental, médio e superior, e/ou para auxiliar na garantia desses e outros direitos básicos?;

A pasta considera os processos de escolarização dos povos ciganos igualitários?;

A pasta acredita haver desigualdades na escolarização formal dos povos ciganos, bem como para a garantia dos seus direitos básicos?;

A pasta incentiva políticas de acesso e permanência nas escolas e Universidades para os povos ciganos? Como?


MMFDH ADMITE DESIGUALDADES NA EDUCAÇÃO FORMAL DOS POVOS CIGANOS

Causou surpresa o subsequente reconhecimento proferido no cabeçalho do documento: “inicialmente, parabenizamos o Srº Roi Rogeres F. Filho pela iniciativa e reforçamos a importância de publicações e ações acerca de levantamentos e informações sobre a população cigana brasielira”. E admitem que iniciativas como esta são importantes “para a ampliação do acesso às políticas públicas e diminuição das desigualdades”, ou seja, reconhecem que há sim desigualdades nos processos de escolarização dos Povos Ciganos.

A nota continua listando as atribuições da pasta no que se refere a garantia de direitos básicos dos Povos Ciganos: “Acerca das informações solicitadas, cumpre informar que conforme os termos do Anexo I do Decreto nº 10.883, de 06 de dezembro de 2021, compete ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos atuar em relação a políticas e diretrizes voltadas à promoção dos direitos humanos, incluídos, entre outros assuntos, os direitos da população negra e das minorias étnicas e sociais.

O MMFDH alegou que, ciente das atribuições legais, a Secretaria tem buscado articulações junto aos Órgãos Federais para a formulação, coordenação e acompanhamento de políticas transversais à pasta. No entanto, salientam que as competências no âmbito da educação “são atribuições do Ministério da Educação”, e elencam: “Art. 1º O Ministério da Educação, órgão da administração pública federal direta, tem como área de competência os seguintes assuntos:

I - política nacional de educação;

II - educação infantil;

III - educação em geral, compreendidos o ensino fundamental, o ensino médio, o ensino superior, a educação de jovens e adultos, a educação profissional, a educação especial e a educação a distância, exceto o ensino militar;

IV - avaliação, informação e pesquisa educacional;

V - pesquisa e extensão universitária;

VI - magistério; e

VII - assistência financeira a famílias carentes para a escolarização de seus filhos ou dependentes.

Parágrafo único. Para o cumprimento de suas competências, o Ministério da Educação poderá estabelecer parcerias com instituições civis e militares que apresentam experiências exitosas em educação.”

O MMFDH ponderou que a educação brasileira possui funções relacionadas à operacionalização da política “composta por atores governamentais – gestores municipais, estaduais e federais da educação”. Solicitei respostas para as questões apresentadas aos municípios e Estados citados na reportagem, sem retorno.

A referida Secretaria “possui articulações junto ao Ministério da Educação e demais órgãos federais para execução de projetos e políticas públicas em prol das populações tradicionais brasileiras”, destacando-se: “o Acordo de Cooperação Técnica - ACT nº5/2021 firmado entre a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SNPIR/MMFDH e a Secretaria de Educação Básica – SEB do Ministério da Educação – MEC para implementação do Projeto Igualdade Racial nas Escolas, o qual tem objetivo promover a formação continuada de professores do ensino fundamental I, com vistas a possibilitar, na ponta (sala de aula), a implementação de ações que visam a conscientização da igualdade etnico-racial na escola”.

A nota segue afirmando que: “em continuidade ao ACT, a SNPIR firmou junto a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB, o Termo de Execução Descentralizada –TEC nº5/2021 para a elaboração de projeto pedagógico e produção do conteúdo formativo EAD destinado a professores de ensino fundamental I da rede pública de ensino, no valor de R$ 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil reais)”. A Secretaria Nacional sustenta que “vem atuando em outras frentes visando a promoção da igualdade de oportunidades e acesso a políticas públicas dos Povos Ciganos”

O conteúdo expressa ainda que “como desdobramento do ACT, a FUNARTE lançou o Edital de Chamamento Público nº02/2022 para credenciamento de profissionais visando a realização de atividades de capacitação, formação e qualificação e o Edital Prêmio Funarte às Famílias Circenses a às Artes nas Localidades, visando reconhecer e incentivar a produção artística e cultural circense que atinge parte da população cigana brasileira”.

Por fim, apontou-se a existência de canais do MMFDH para realização de denúncias de violação de direitos, cujas informações estão disponíveis através do site: https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh. “Os canais podem ser utilizados pelos Povos Ciganos para relatar casos de discriminação e violência. Sem mais, e sendo essas as informações a apresentar, ficamos a disposição para prestar esclarecimentos sobre a temática e apoiar as iniciativas que visam realizar trabalhos voltados ao combate a discriminação étnico-racial do povo cigano”, finaliza.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SILENCIA

Enviamos também em 22 de março questionamentos similares para a assessoria de comunicação do Ministério da Educação (MEC). Apesar de estabelecermos o dia 01 de abril como prazo, até esta sexta-feira (13 de maio de 2022) não obtivemos retorno. O MEC não tem respondido a muitos jornalistas e veículos de imprensa nos últimos anos, porque será?


POESIA E PROSA DA EDUCAÇÃO CIGANA

E eu, que acredito ser o silêncio também uma resposta, transformo indignação em Poesia e Prosa

Sigo a denunciar as desigualdades na educação

Nos processos de escolarização dos Povos Ciganos - Minha gente de tradição!

Direito este supostamente assegurado

Para todos os filhos da Nação

Quem são mesmo os mentirosos?

Fica a minha indagação!

E quem adivinhar

Vai ganhar mais de 1 milhão...

Com gratidão eu me despeço

Espero ter cumprido com a missão

Porque nós merecemos:

Reconhecimento,

Dignidade,

Cultura,

Arte,

Educação,

Poesia,

Circo,

Valorização,

Não temos fome só de pão!

Conhecimento é poder

Que conduz a transmutação

E a equidade é um direito

Perante a Constituição!

Peço a todos/as que concordam

A gentileza de levantar a mão

Pode ser qualquer uma

O que vale é a intenção

Se juntem a nós nesta peleja

Pelo direito básico à educação!

Porque a luta é coletiva

(Contamos com a vossa compreensão!)

Por aqui eu vou ficando

Com uma última informação:

Está reportagem só foi possível

Com o apoio do JEDUCA/ITAUSOCIAL

EDITAL DE JORNALISMO DE EDUCAÇÃO

Pela contribuição com as lutas dos Povos Ciganos

Registro a nossa

Infinita gratidão!

E para quem até aqui chegou:

Agradeço pela leitura,

E preciosa atenção,

Já anunciando para o dia 24 de Maio uma nova publicação

Sobre estudantes ciganos/as que superaram as desigualdades

E lograram êxito nas estradas da educação!



POR: Roy Rogeres Fernandes Filho


FOTOS: Bárbara Jardim & Divulgação Arquivos Pessoais


Esta reportagem foi realizada com apoio do 3º Edital Jornalismo de Educação (Jeduca/Itaú Social)





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