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Nada sobre nós, sem nós e o dilema do FIES

Boa parte da população brasileira está acompanhando a vigésima segunda edição do reality show mais assistido da Tv brasileira: O BBB. Nesse ano, novamente, conta com a participação de pessoas da pipoca (pessoas não notadas ainda pela mídia) e camarote (artistas, esportistas e personalidades já notadas pela mídia). Essa mistura se mostra interessante por vários aspectos, principalmente quando trata-se das desigualdades sociais e raciais gritantes no Brasil.


Durante um diálogo entre o participante do Camarote, Thiago Abravanel, artista consagrado e conhecido por ser da família do apresentador Silvio Santos, e a Jessilane, professora e intelectual fruto das políticas de acesso à educação recém implementadas no Brasil, trataram sobre o FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior). O diálogo logo repercutiu entre os espectadores pelo fato de Abravanel desconhecer uma política que mudou a vida de muitos brasileiros, e aqui, permito-me tratar de 3 pontos: 1. A política pública do Financiamento Estudantil. 2. Consciência de classe e acesso à educação. 3. A importância da população trabalhadora na disputa por políticas públicas para educação.


A política pública do Financiamento Estudantil


O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior é um programa do governo federal que dispõe de crédito para estudantes pagarem as mensalidades em instituições privadas de ensino superior. É fruto de uma política que vem sendo discutida desde antes do Governo FHC e que visa possibilitar o ingresso da população na Universidade, diminuindo as desigualdades no acesso à superior.

Desde sua criação, muitas foram as modificações programáticas que mudaram desde a forma de pagamento, a carência, até as taxas de juros de cobrança. Hoje, o crédito pode cobrir de 50% a 100% das mensalidades possibilitando que o estudante pague o valor posterior a sua formação de forma parcelada ou não.


O direito ao FIES engloba as pessoas que:

  • Não concluiu curso superior;

  • Possui renda familiar mensal bruta, por pessoa, de até 3 salários mínimos;

  • Participou de alguma das edições do Enem a partir de 2010;

  • Obteve, pelo menos, 450 pontos na média das provas e nota acima de zero na redação.

Segundo o Censo da Educação Superior 2019, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e do MEC, as instituições privadas de ensino são responsáveis por 75,8% dos estudantes de curso superior. Esse dado evidencia a importância do FIES para o acesso dos estudantes no Ensino Superior.

O grande problema do programa não está na sua execução em si, mas na própria economia brasileira, as escalas de desigualdade social e a dificuldade de recém formados ingressarem no mundo do trabalho. Toda essa realidade, tem gerado um processo de endividamento pós utilização do FIES, o que se apresenta pelo dado explorado pelo MEC, que afirma que há cerca de 1 milhão de inadimplentes com o financiamento.

Entretanto, esses dados não podem ficar desalinhados a outras realidades que implicam no processo de crise da educação. A ideia de reforma empresarial da educação, como apresentador por Luiz Carlos Freitas, nos permite compreender como as intencionalidades se justificam no Estado brasileiro.

O grande endividamento do FIES não pode ser observado a partir da culpabilização dos estudantes inadimplentes, mas sobre todo o aspecto que garante que as instituições privadas de ensino sejam as únicas partes seguras nessa transação. Afinal, enquanto muitos recém formados sustentam grandes dívidas com o Estado, o Estado sofre com os inadimplentes, as instituições privadas de ensino estão seguras. Atrelado a isso, observa-se o enxugamento do serviço de educação pública, através dos cortes orçamentários que as Universidades públicas veem sofrendo por alguns anos e a falta de priorização nas políticas de investimento em educação, ciência e tecnologia no serviço público de ensino.


Consciência de classe e acesso à educação


É legítimo o desconhecimento de Abravanel sobre a política do FIES e nem é esse o foco da escrita desse pequeno artigo de opinião. Entretanto, proponho observarmos sobre como o conceito de consciência de classe, como apresentado por Marx e Engels, é necessário para compreendermos como o mundo funciona a nossa volta e termos a nitidez que nada sobre nós acontecerá sem nós.

Cientificamente, segundo Marx e Engels, consciência de classe é a construção ao longo do processo histórico de luta de classes, de percepções que envolvem o reconhecimento da própria condição econômica, da condição econômica de outros indivíduos na mesma situação, a busca na construção de interesses em comum e a organização em torno de pautas que visam a proteção do proletariado. Perpassara pela consciência de classe a ideia solidariedade de classe.

No contexto racial e de gênero, essa compreensão também é observada a partir das escritas de Lélia Gonzáles e Carlos Hasenbalg quando traçam a compreensão econômica do lugar do negro como uma construção social que delimitou lugares de subordinação, silenciamento e pobreza para as pessoas negras do Brasil. Consciência de classe, consciência racial é um primeiro ponta pé para a leitura da realidade que se apresenta em diversas camadas na vida do trabalhador no mundo e no Brasil.

Eu sei o que é FIES, Jessilane sabe o que é FIES e provavelmente, você que está lendo saiba o que é FIES. E sabemos, porque essa política é fruto de lutas de pessoas que entenderam a dinâmica social e econômica no Brasil e se predispuseram a definir políticas publicas que garantiriam possibilidades de acessos para quem não tinha, há pouco tempo atrás, condições de acesso à universidade.


A importância da população trabalhadora na disputa por políticas públicas para acesso à educação.


Esse diálogo me lembra o fato de que a solidariedade de classe requer organização e intenção porque aqueles que não precisam de políticas públicas para acesso à educação muito provavelmente não vão se mobilizar para criação das mesmas. A história não nega, as principais políticas públicas de acesso à educação no Brasil foram frutos de avanços da classe trabalhadora, e principalmente, os trabalhadores negros.

Programa Universidade para Todos (PROUNI), FIES, COTAS ÉTNICO RACIAIS, Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), todas essas políticas, entre outras, foram frutos de reinvindicação dos trabalhadores na luta por garantia à educação. E isso não vai mudar. Estamos num ano extremamente complicado e com muitas tensões sociais, raciais e de gênero, onde a intenção governamental é a de pôr fim a todas as garantias que consolidamos com muitas lutas. A organização da classe trabalhadora em torno do acesso e permanência na educação é essencial para mantermos nossos ganhos e criarmos possibilidade de ampliação.


Concluindo...


Não há nenhum demérito em Tiago não conhecer uma política que não o serviu e, muito provavelmente, não o servirá. Afinal, o mesmo nasceu numa família rica. Mas há uma responsabilidade para todos os trabalhadores de tomar o que é seu, de disputar o Estado para garantias de acesso à educação e de transformar a realidade de muitos a partir de todas essas políticas públicas. É também responsabilidade dos trabalhadores a luta pelo perdão da dívida do FIES, mitigação de juros, entre outras possíveis garantias para que essa política não se torne o pesadelo na vida da população trabalhadora brasileira.

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